Por Adriano Kirihara
Um tiro no escuro. Registrar o acúmulo do tempo numa única imagem. Explorar o movimento, as mudanças atmosféricas, o inesperado e até o inexplicável. É disso que se trata a fotografia noturna de estrelas e de longa exposição. Esses são apenas alguns dos atrativos que seduzem fotógrafos a pegar a câmera e passar horas em meio à natureza durante a escuridão da noite.
Esse segmento da fotografia noturna (também chamado de astrofotografia) tem despertado muito o interesse de quem busca uma imagem única e com certo tom de poesia. Fotografar as estrelas e seus movimentos, desafiando os níveis baixos das luzes, é o que torna esse tipo de imagem admirada. Existem várias técnicas para obter esses registros, e cada fotógrafo tem um jeito particular de fazê-los. Aqui vou contar um pouco do que aprendi nas minhas investidas à noite em busca das estrelas.
Equipamentos
Como se trata de fotografia de longa exposição e à noite, o tripé é um acessório obrigatório, pois manter a câmera estável é essencial. Quando é possível, levo sempre duas câmeras, uma EOS 5D Mark III e uma EOS 7D, ambas da Canon. Com relação às lentes, já que também é fotografia de paisagem, prefira as grandes angulares. Levo geralmente a Canon 16-35 mm f/2.8 quando estou fotografando com a full frame, ou a Canon 10-22 mm f/3.5-5.6 quando uso a câmera cropada, de sensor APS-C. Mas nada impede o fotógrafo de utilizar a lente que estiver ao seu alcance, pois até com uma lente básica como a 18-55 mm ou 24-105 mm é possível fazer um recorte interessante com uma boa composição.
Na minha mochila ainda vão os seguintes itens: controle remoto (ou cabo disparador, caso sua câmera não tenha um intervalômetro embutido), lanternas, bússola, toca plástica para o cabelo para proteger a câmera da cerração, papel celofane (várias cores), saco estanque, repelente e água.
Star Trail feita no Paraguai em uma exposição de 30 minutos: é possível observar que com menos tempo a trilha não fica tão bem marcada no céu
Star Trail feita no Paraguai em uma exposição de 30 minutos: é possível observar que com menos tempo a trilha não fica tão bem marcada no céu
Ajustes da câmera
A primeira pergunta de quem nunca fez esse tipo de foto é: como ajustar a câmera? Sempre fotografo em RAW, que tem um alcance dinâmico maior. Depois transformo em JPEG se necessário. Deixo a câmera em modo de exposição Bulb (B) ou em manual, programado para 30s. Se o modelo da sua lente tiver sistema de estabilização (o IS na Canon) ou redução de vibração (o VR da Nikon), você deve desativá-lo. Também é essencial desligar o modo de redução de ruído de exposições longas, já que essa opção sobrecarrega o buffer e a câmera para quando você está capturando imagens em sequência. Não esqueça também de tapar o viewfinder (visor traseiro) para não correr o risco de ter uma interferência de luz.
Há duas opções para fotografar o Star Trail (trilhas das estrelas), aquela imagem em que o movimento dos corpos celestes deixa rastros no céu. A primeira é fazer uma sequência de fotos com intervalos de 30 segundos e depois empilhá-las em programas de edição que explicarei em outro artigo. Os ajustes são praticamente os mesmos, sendo que nesse caso uso ISO 800 e a maior abertura possível da lente.
Há ocasiões em que começo com uma configuração de abertura entre f/8 e f/5.6. Depois, conforme vai escurecendo, vou ajustando a fotometria. Como a ideia é trabalhar com uma sequência de fotos, você pode usar um disparador com timer embutido ou um cabo disparador. Se for usar o cabo, você deve colocar sua câmera na função de disparo contínuo em alta velocidade, que na Canon é indicada pela letra “H” e pressionar e travar o botão do disparador que estiver usando. Automaticamente, a câmera irá fotografar em sequência – a menos que você interrompa, destravando o botão do cabo. Lembre-se de que a câmera deve estar programada para disparar exposições de 30 segundos cada. A quantidade de trilhas será de acordo com o tempo de captura. Quanto mais tempo, maiores serão as trilhas das estrelas.
A segunda opção de captura é deixar o obturador aberto durante toda a exposição. Para isso, você deve ajustar a câmera no modo B (Bulb) e apertar e travar o botão do cabo disparador. Com 30 minutos já é possível capturar as trilhas, mas você pode ficar de duas a três horas (ou até mais), se preferir. Quanto mais tempo deixar o sensor exposto, mais longo será o rastro das estrelas. Ao contrário do método anterior, neste você precisa estar num lugar extremamente escuro, com a menor iluminação ambiente possível. As luzes de uma cidade próxima podem comprometer a imagem, deixando-a com poucas estrelas e bastante ruído.
Para fotos da Via Láctea geralmente uso ISO 3.200 e a maior abertura da lente. A velocidade do obturador deve variar entre 20 e 30 segundos. Procure não passar dessas velocidades senão você terá estrelas borradas. Na dúvida, existe um cálculo matemático simples de ser feito e que serve de parâmetro para conseguir melhores resultados em relação ao equipamento que você pretende usar: a “regra dos 500”.
Você divide 500 pela distância focal da lente que estiver usando e o resultado será o tempo máximo em segundos de exposição que você pode deixar antes de as estrelas começarem a fazer rastros na imagem capturada. Por exemplo, se estiver usando uma lente numa distância focal de 16 mm, a conta a ser feita é 500 ÷ 16 = 31,25 segundos, ou seja, com essa distância focal você poderá deixar cerca de 30 segundos de exposição. Isso se estiver usando uma câmera full frame. No caso de uma câmera com sensor APS-C (cropada), você deve dividir o resultado pelo fator de corte da sua marca. Na Canon é de 1,6 e na Nikon 1,5. Exemplo 500 ÷ 16 = 31,25 ÷ 1.6 = 19,53 segundos. Ou seja, com o sensor APS-C o tempo de exposição deve ficar na casa dos 20 segundos.
Foto com a Via Láctea em que o fotógrafo trabalhou a composição no primeiro plano
Foto com a Via Láctea em que o fotógrafo trabalhou a composição no primeiro plano
Planejamento
Fotografar à noite é sem dúvida uma experiência única. No caso de estrelas, há um grande problema: a condição meteorológica. Nem sempre é possível encontrar um céu limpo sem a presença de nuvens ou outros eventos que possam interferir na imagem. Alguns fatores precisam ser pensados antes de sair de casa: nuvens, sol (que horas irá se pôr), fase lunar (observar o horário em que a lua está nascendo ou se pondo, onde ela vai nascer)… São cuidados que devem ser tomado para garantir sucesso na empreitada.
Por sorte, hoje existe a ajuda da tecnologia por meio de vários aplicativos que estão nos smartphones e que são muito úteis na hora de fotografar. Um deles é o Photoephemeris (http://photoephemeris.com). Nele é possível ver informações do sol e da lua, inclusive com horários e até posição dos astros. Há outros aplicativos para diversas plataformas com informações da fase lunar do momento, em que dá para saber o grau de luminosidade de determinado dia.
Se a ideia é fazer fotos de Star Trail, existem aplicativos bastante úteis, como o Star Chart e o Skyview, que mostram a carta celeste onde facilmente se encontram os astros e as constelações.
Esses aplicativos (apps) são muito importantes para o fotógrafo localizar o Cruzeiro do Sul e decidir a composição da imagem antes mesmo de escurecer. É por intermédio do Cruzeiro do Sul que se encontra o polo sul celeste, já que o Brasil fica no hemisfério sul. Os polos celestes apresentam a característica de permanecerem fixos no céu, enquanto os outros pontos (estrelas) parecem girar em volta deles.
achar o sul celeste
Para encontrar o sul celeste, o primeiro passo é achar o Cruzeiro do Sul. O ideal é fazer isso ainda de dia, apontando o smartphone para o céu usando os aplicativos citados no tópico anterior (ou outro app de sua preferência que mostre a carta celeste). Com a constelação no visor do celular, é possível identificar a Alpha Crucis (Acrux ou Estrela de Magalhães), que está mais afastada da constelação. Tomando como base a cruz imaginária formada pelo Cruzeiro do Sul, você traça do centro uma linha reta também imaginária até a Acrux e, a partir daí, outra linha cerca de 4,5 vezes maior. Assim, chega-se ao polo sul celeste (veja a ilustração na página anterior).
Feito isso, fica fácil saber onde será o ponto central em que as estrelas girarão em volta para fazer a composição da cena. Se já estiver de noite, ao visualizar o Cruzeiro do Sul, você pode fazer o traçado com os dedos. Do meio da constelação até a Acrux, marque a distância da largura de um dedo. Depois, prossiga em linha reta mais quatro dedos e meio. Você também pode usar diante dos olhos, como marcação, uma pequena régua ou um palito de fósforo com marcações.
Registro de trilha de estrelas em um plano mais fechado depois de exposição de quase três horas
Registro de trilha de estrelas em um plano mais fechado depois de exposição de quase três horas
De olho na lua
Como a lua é um astro iluminado pelo sol e próximo da Terra, funciona como se fosse um grande rebatedor de luz. Por isso, prestar atenção nas fases da lua e no horário em que ela irá nascer é importante. Para fotografia de estrelas, a melhor fase é quando a incidência de luz é menor ou quase nada como nos primeiros dias da lua nova. Alguns aplicativos inclusive mostram em percentual o quanto de luz a área da lua está refletindo. Por isso, sempre estou de olho na fase lunar quando vou a campo para fotografar. O horário em que a lua nasce e se põe também é importante, pois se ela estiver se pondo antes de anoitecer não vai haver influência.
Com as informações levantadas sobre a fase lunar, vai aqui uma dica: mesmo que ela esteja numa fase como a cheia, você pode usar isso a seu favor. Supondo que você começará a registrar o céu assim que o sol se pôr, por volta das 18h, já sabendo que a lua nascerá às 21h, então, há tempo suficiente para fazer a captura de imagens, caso a intenção seja fotografar as trilhas de estrelas com várias exposições de 30 segundos. Quando a lua nascer, você ainda pode fazer alguns cliques e aproveitar a luz lunar para iluminar o ambiente, destacando a paisagem.
Composição
A composição é um dos elementos que tornam esse tipo de imagem atraente. Procure sempre ter um primeiro plano interessante. Árvores, porteiras, construções abandonadas ou em ruínas, barcos… Ao incluir harmoniosamente outros elementos, a composição se torna mais rica e desperta sensações no observador.
Durante a captura das imagens, você pode, com o auxílio de uma lanterna, iluminar o primeiro plano e até usar a criatividade com cores, colocando papel celofane colorido à frente da lanterna. Além da lanterna, você pode disparar o flash várias vezes para também iluminar a cena se o primeiro plano for amplo. A regra dos terços é uma técnica bastante interessante na hora de compor, mas não se prenda a ela. Arrisque ângulos diferentes e inusitados, pois você pode ter um resultado surpreendente.
Foco
O foco é um dos grandes desafios para quem fotografa à noite. No escuro, se estiver usando no automático, será quase impossível acertar. Por isso, se conseguir, chegue mais cedo ao local ainda com o dia claro – uma das vantagens é conhecer o ambiente e poder explorar as muitas possibilidades na hora de compor a imagem. Escolhido o local, faço o foco geralmente no primeiro plano e passo para o manual – e daí, não mexo mais. Alguns fotógrafos chegam a usar um pedaço de fita adesiva na lente para travar o foco.
Mas, caso não seja possível chegar de dia ao local, jamais desista de fazer a foto. Em situações assim, geralmente jogo luz no primeiro plano com uma lanterna e faço o foco automático nesse ponto iluminado. A seguir, desativo o foco automático para que não saia do ponto ou tente focar novamente quando eu for acionar o botão de disparo. Outra forma de focalizar é usar o live view via monitor traseiro da câmera. Nesse caso, dê um zoom no assunto principal ou numa estrela brilhante (com o botão de zoom do live view, e não o zoom da lente) e faça o foco manualmente.
Se mesmo assim não obtiver sucesso no foco, outra opção é acionar o foco infinito da lente. Para isso, coloque a objetiva em foco manual e gire o anel de foco até a marca do infinito – lembrando que nem todas as lentes têm essa opção. Se for o caso, trave o foco com uma fita adesiva na lente.
Para quem nunca foi a campo fotografar o céu e as estrelas, pode ser que na primeira vez não saia como o esperado. Não desista. Dominar a técnica exige prática, paciência e dedicação. Com o tempo e a experiência, certamente você poderá se considerar um bom astrofotógrafo.
Imagem da Via Láctea também com a lente em posição 16 mm, mas com um plano mais fechado
Imagem da Via Láctea
também com a lente em posição 16 mm, mas com
um plano mais fechado.